domingo, 3 de março de 2013

Entre acordes do blues e ondas do rádio

DO NOVO JORNAL

Eu sou tarado por campeonato estadual. A frase corta a vinheta e assusta Ferdinando Teixeira, que aguardava o início do programa enquanto estava em telefonema. O técnico, comentarista no Globo Esportivo 1ª edição, levanta a cabeça e esboça um sorriso. Ricardo Silva continua: sou tarado pelo campeonato estadual, é uma competição fascinante, não tem quem me diga que é ruim. As atrações do programa são apresentadas. Na terça-feira da semana passada, a polêmica em torno do estádio que o América jogaria estava no auge e tomou boa parte do programa.

Do estúdio da Rádio Globo, na Ribeira, Ricardo Silva comanda a apresentação que começa ao meio-dia e tem grande audiência. Para quem nunca acompanhou de perto os bastidores de uma produção transmitida pelo rádio, a correria assusta. O repórter Levi Araújo procura por papéis e corre para o microfone para anunciar os destaques do dia no time do Alecrim. Depois, Marcos Lira com as informações do ABC. No canto da bancada, o técnico/comentarista Ferdinando Teixeira aguarda a sua vez para falar.

Ricardo está na ponta oposta a Ferdinando. Na sua frente, dois celulares, um telefone fixo, um tablet e um notebook. O aparato é utilizado freneticamente. Nos primeiros minutos, o apresentador tentava contatar o presidente do América, o empresário Alex Padang. Depois de três tentativas, consegue. Enquanto Padang fala sobre a polêmica dos estádios, Silva comenta se afastando do microfone: “Ele fala bem, o problema que às vezes é prolixo, aí a gente tem que cortar”.

O natalense Ricardo Silva de Oliveira, 53 anos, está há mais de 30 anos no rádio potiguar. Há 31, para ser específico. O narrador/apresentador/repórter esportivo tem “taras”: é tarado por Campeonato Estadual – como já dito no início do programa -, é tarado por futebol – esporte com o qual trabalha diariamente -, é tarado por rádio – suporte de informação que escolheu trabalhar há mais de três décadas. Por trás das paixões perceptíveis a qualquer um que escute um programa comandado por Ricardo está também outras admirações que chegam a superar a comunicação esportiva.
Foto: Eduardo Maia/NJ.
Eduardo Maia/NJ
Ricardo Silva em ação: entrevistas com jogadores


Se tivesse que escolher, Ricardo Silva preferia viver dos acordes do blues e do rock’n’roll às ondas do rádio. “Se eu tivesse que escolher seria músico e radialista. Hoje, eu sou radialista e músico. Entendeu? Mas se eu tivesse mesmo que escolher seria primeiro músico. Porque a música ela continua sendo o meu centro. Todos os dias eu ouço música. Sou deslumbrado e doido por música. Se eu pudesse, viveria de música”, reitera.

Apesar disso, destaca a importância do rádio. “Mas tenho o rádio como uma opção principal, sempre. Mas se tivesse que escolher seria músico. Se você olhar meu perfil no Twitter, tem lá que músico vem primeiro. Sou músico primeiro”, diz ressaltando que a ordem dos substantivos denota a importância deles. Ricardo levanta a manga direita da blusa para mostrar uma tatuagem. “Bluesy band” é o nome da banda atual, cuja atuação varia de acordo com a disponibilidade dos outros componentes, mas atualmente não costuma passar de ensaios esporádicos regados a cerveja.

O gosto pela música surgiu por influência de amigos quando ainda era uma criança. “O gosto veio de guri, dos amigos que andava. Menorzinho já andava com eles, imitava eles e já usava cabelo grande. Me davam os discos emprestados de Rolling Stones, Beatles, Jimi Hendrix, Emerson, Lake e Palmer, Pink Floyd. Quando entrei no rádio nunca deixei de ouvir música, ouvir rock”, conta o radialista sentado em uma cadeira no estúdio após o término do Globo Esportivo daquela terça-feira.

O gosto foi potencializado após ganhar um violão acústico da mãe, que costumava frequentar serestas e queria que o filho aprendesse. Os primeiros acordes foram ensaiados com os seresteiros, que abriram caminho para que Ricardo enveredasse pela área da música.

A primeira banda profissional foi montada com colegas jornalistas. Além de Ricardo, compunham a “Florbela Espanca” os jornalistas Isaac Ribeira e Moisés de Lima, além de Gilmar Santos e Helder Gomes. “Montamos uma banda nos anos 90 chamada Florbela Espanca, em homenagem à poeta portuguesa que se matou. Nesse período de 1990 até 1994, a gente fez muito sucesso, tocamos em muitos lugares, chegamos a tocar em Campina Grande. Depois a banda terminou, como é normal, tudo tem seu tempo”, conta o músico/radialista.

Após a experiência com Florbela Espanca, vieram outras bandas como GRM Blues Band e hoje, o The Bluesy Band. “Toco menos hoje em dia. Hoje, toco numa banda chamada The Bluesy Band, tenho até uma tatuagem. Eu, Gilmar Santos e meu irmão. Fora isso, toco todos os dias sozinho. Primeira coisa quando acordo é puxar a guitarra que fica do meu lado e toco algumas coisas, exercícios. Quando chegam as férias é que a gente toca um pouco profissional. Fazemos um ensaio. Antigamente, tocávamos quinta, sexta, sábado e domingo”, recorda-se.

A experiência com a música chegou a afastar Ricardo do rádio por alguns anos. “Parei com o rádio um tempo porque estava ganhando mais dinheiro tocando blues do que trabalhando no rádio. Aí quando o negócio do blues amainou, apareceu aquelas bandas Inácio Toca Trompete, quando começou a aparecer aqueles caras, aí o público foi gostando e a gente foi caindo. Back to the radio, voltei na hora. É a vida”.

Paixão pelo Alecrim
A preferência pela música não enfraquece a dedicação que Ricardo Silva tem pelo radialismo esportivo. E é nessa área que ele tem que lidar com a paixão dos torcedores. A primeira barreira é falar sobre o time que torce. Sob influência do pai, o também radialista Eli Morais, os primeiros jogos que acompanhou foram no estádio Juvenal Lamartine. No campo estava o Alecrim. O fascínio pelo time alviverde veio com a coleção de figurinhas do Macarrão Jandaia.

“A gente sempre assistia os jogos do Alecrim no JL [Estádio Juvenal Lamartine]. Era o tempo de Cário, Burunga, Capiba. Eu lembro desses caras. Não lembro com a mesma nitidez de jogadores que vi ontem ou anteontem. Lembro porque colecionava as figurinhas do Macarrão Jandaia. As figurinhas eram do Alecrim, do ABC e do América. Não era de time de fora. Foi daí que essa paixão veio”, recordou-se.

Ricardo Silva conta sobre os desafios que tem de enfrentar ao revelar o time que torce. Segundo ele, por um Alecrim atualmente possuir menos expressividade que ABC e América, ouvintes e torcedores acreditam que o radialista também torce ou pelo alvinegro ou pelo alvirrubro natalense. “Sou torcedor do Alecrim, mas tem gente que nem acredita às vezes. Digo que torço pelo Alecrim e as pessoas respondem que sou ABC ou América. Na verdade, só sou Alecrim. Acredite que quiser. Não torço no microfone. No microfone, sou imparcial. Sou um profissional. Quando não estou trabalhando e o Alecrim está jogando, sou Alecrim”.

O trabalho no rádio teve em início em 1982 após receber um convite para fazer um teste na Rádio Rural. Após a experiência inicial, passou por diversas transmissoras como Rádio Trairi, Tropical e Cabugi. Após idas e vindas, está desde o ano 2000 na Rádio Globo, onde ocupa a função de repórter esportivo, coordenador, apresentador e narrador.

Para ele, o fascínio pelo rádio se explica pela instantaneidade e pela imaginação do ouvinte. “Há um fascínio das pessoas por nós. Teve um rapaz que veio aqui me conhecer pessoalmente. Disse que gostava muito de mim. O cara tremia como se eu fosse um superstar. Os caras às vezes idealizam uma coisa diferente”.

Interação com mídias sociais alterou rotina
Em 30 anos de rádio, muita coisa mudou. A começar pela tecnologia que envolve a transmissão. Outra alteração diz respeito à tolerância dos torcedores com os profissionais. Na visão de Ricardo Silva, antigamente havia muito menos paciência com narradores e repórteres que assumiam torcida por um time. Dentre todas as mudanças, uma se destaca: a utilização de redes sociais.

Ao lado do microfone do Globo Esportivo está o tablet aberto no Twitter. Ao longo do programa, o apresentador promove a interação com quem manda mensagens e informações. Ricardo Silva conta que hoje não viveria sem as redes sociais. “Essa interação é muito legal. A gente está apresentando um programa ou um jogo e as pessoas dizendo que estão ouvindo. Elas fazem perguntas e adicionam informações. A rede social hoje é tanto uma maneira de interagir, colocar as opiniões e informações, como de receber não apenas de quem faz jornalismo esportivo”.

Gol de Sérgio Alves marcou cobertura esportiva
A carreira no radialismo esportivo fez com que Ricardo Silva pudesse conhecer diversas localidades do Brasil, para onde ia transmitir os jogos de futebol. A região mais distante foi Lucas do Rio Verde, município de Mato Grosso. De lá, transmitiu a partida entre América e Luverdense. Os mais de 30 anos na área permitiu que o repórter acompanhasse bem de perto a realidade dos jogadores de futebol.
Dentre todos os lances os quais “assistiu” de camarote na beira do gramado, Ricardo destaca um que lhe marcou mais. No Machadão, viu Sérgio Alves marcar, de bicicleta, o gol de empate contra o rival América que garantia a classificação para a próxima fase do Campeonato Estadual. “O que ficou na minha memória foi o gol de bicicleta de Sérgio Alves no Machadão. Todo mundo lembra desse jogo. Esse para mim foi o jogo mais fantástico que eu vi de ABC e América”.
Fonte: Novo Jornal

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