domingo, 17 de março de 2013

A estranha corrente do TELEXFREE

Paulo Nascimento no Novo Jornal
O clima entre os que estiveram reunidos quarta-feira passada no Cuxá Recepções, no bairro de Lagoa Nova, era de júbilo, quase euforia, por parte de uns e muita esperança por parte de outros. Estavam ali centenas de pessoas interessadas no que acreditam ser o grande negócio do momento. A reunião que o NOVO JORNAL acompanhou não era de qualquer religião ou algo parecido, mas de inúmeras pessoas que já integram ou querem passar a fazer parte do Telexfree.
Foto: Fábio Cortez/NJ.
Fábio Cortez/NJ
Centenas de interessados em conhecer a rede se reuniram em casa de recepções de Natal


Em todo o Rio Grande do Norte, segundo a empresa, cerca de 75 mil pessoas participam do que ela trata como “marketing multinível binário finito”. No país são mais de 540 mil pessoas, que correspondem a 90% dos clientes mundiais da Telexfree, que foi aberta em 2002 nos EUA e em fevereiro do ano passado chegou ao Brasil. Países como Canadá, Espanha, Chile, Portugal, Itália e França também possuem representantes.

Tendo por base somente os valores de investimento mínimo que cada pessoa precisa aplicar para se tornar um dos divulgadores, como são nominados os integrantes, que giram em torno dos R$ 580, é possível calcular que os potiguares já teriam movimentado uma fortuna - cerca de R$ 43,3 milhões.

Como a sede da Telexfree é localizada nos EUA, os valores de adesão e dos pacotes de VoIP (Voice over Internet Protocol), chamadas telefônicas pela internet, que é o produto oferecido no sistema, são tratados em dólares (US$). Para se tornar um divulgador, é preciso aderir à empresa, pela qual é cobrado US$ 50 por um contrato de um ano.

O pacote mínimo, com 10 contas Voip, é chamado de AD Central e custa 289 dólares. Cada conta, segundo a empresa, disponibiliza um login e uma senha que dá acesso ao software para fazer a ligação, que libera 30 dias de ligações telefônicas ilimitadas pela internet. Além do Central, existe também o Family, com 50 contas, que custa aproximadamente R$ 2.750.

Ao adquirir o pacote, o valor para revenda de cada conta é de pouco menos de 50 dólares. Assim, o divulgador ganharia 20 dólares em cada operação. E aquele que compra um pacote beneficia com 2% do valor da transação aos divulgadores que estejam cinco níveis acima dele e tenham colocado no mínimo mais duas pessoas na empresa.

Além disso, há o processo de divulgação da empresa. Os mesmos divulgadores que compram e devem vender os pacotes VoIP são incumbidos de publicar diariamente um texto ou imagem padrão. Um anúncio para cada dez contas adquiridas. A cada semana completa de divulgação, o bônus oferecido é de uma conta. “Isto tudo mostra a diferença da Telexfree. Não somos uma pirâmide porque a adesão tem um tempo de duração e não há o benefício apenas para quem está no topo. E nós temos um produto, que é vendido. É preciso trabalhar para fazer uma boa rede e não apenas esperar o dinheiro, por conta de uma base com muita gente”, justifica o advogado Horst Fuchs, representante jurídico da empresa.

Para explicar tudo isso, a empresa convoca, em Natal, uma reunião por semana. Em meio a uma enxurrada de denúncias, reclamações e investigações que pipocaram pelo país desde o início do mês de março, o local da reunião, anexo de um hotel da capital potiguar, o Residence, já não suporta mais o público que é atraído pelos divulgadores, como são tratados os que fazem parte do sistema.

No estacionamento, reflexos do sucesso
O estacionamento junto ao local do encontro da semana passada revela o sucesso que muitos dos integrantes do sistema obtiveram: carros importados, todos novos, são facilmente vistos. Incluindo um esportivo de cor amarela, que ficou muito conhecido no Brasil por conta de uma música sertaneja, o Camaro.

Os divulgadores mais “antigos” são reconhecidos facilmente por vários que chegam. Os que alcançaram um bom nível de rendimento, aliado a um alto investimento, são tomados como exemplo. De acordo com dados da Telexfree, a média de rendimentos gira em torno de R$ 4 mil a R$ 8 mil, por mês. O topo da “cadeia”, que gira em torno de dez colaboradores, fatura acima dos R$ 100 mil todo mês.
Foto: Fábio Cortez/NJ.
Fábio Cortez/NJ
Horst Fuchs, Advogado nacional da Telexfree


O RN participa da elite da Telexfree com dois integrantes, que não tiveram seus nomes revelados pela organização. Um empresário potiguar do ramo de transporte de cargas, por exemplo, investiu pouco mais de R$ 1 milhão em maio de 2012. E segundo relatos de alguns participantes, conseguiu recuperar todo o dinheiro e já recebe os “lucros”.

Mais modesto, Kennedy Lopes Galvão colocou R$ 100 mil reais no Telexfree. O empresário, que é divulgador desde maio do ano passado, chegou a se desfazer de alguns bens para poder investir na Telexfree. “Vendi um carro e peguei um empréstimo também. Acreditei no sucesso”, relata Galvão.

Segundo ele, o investimento já foi compensado, com a compra de outros bens, incluindo dois apartamentos. Kennedy ainda relata que, em parceria com a mulher, já conseguiu colocar outras seis mil pessoas como divulgadores.

Há seis meses o corretor de imóveis Danilo Miranda também resolveu entrar no sistema. “Vi tanto uma oportunidade de ganhar dinheiro como também conseguir baratear o custo das ligações, que tanto preciso na minha profissão”, conta Miranda, que não revelou quanto já ganhou nem o tamanho da rede que formou.
NOVATOS

Um quarteto foi ao salão de eventos especial para conhecer melhor o Telexfree. E saiu de lá com a certeza de que iria investir. O grupo formado pelo casal Antônio e Selma Ribeiro, comerciantes, em companhia do dono de oficina Carlos Augusto da Silva Sales e do mecânico Bruno Fonseca saiu com a certeza de que iriam investir.

Para eles, a reunião da noite do dia 13 foi a prova de que o negócio realmente era sério. “A reunião passou mais segurança. Uma coisa é ouvir da boca dos outros, mas vendo aqui foi diferente”, relatou Carlos Augusto. “A gente viu que tem que trabalhar, não é dinheiro fácil”, completou Bruno.
Foto: Fábio Cortez/NJ.
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Nestor Case, que lançou a rede no RN em maio do ano passado, é o líder local do Telexfree


O casal, no entanto, já saiu com a certeza de que investiria. “Saímos com uma impressão muito boa. A ideia é começar de baixo, com os pés no chão”, afirmou Antônio Ribeiro. A mulher, no entanto, foi além. “Já sei até quantas contas vamos comprar. Antes não confiava muito, mas agora estou certa de que vamos ter retorno”, completou Sônia. Eles afirmaram que o planejamento era para tornarem-se divulgadores já na próxima semana.

Operação indica pirâmide financeira, diz ministério
Na tarde de quinta-feira passada, o Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae/MF), divulgou nota afirmando que a prática Telexfree, registrada como Ympactus Comercial Ltda. ME, de oferecer ganhos altos e rápidos através de um modelo não sustentável, sugere um esquema de pirâmide financeira, que é crime contra a economia popular. 
O resultado das conclusões da Secretaria de Acompanhamento Econômico foi resumido em uma nota técnica e um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Os documentos foram encaminhados ao Departamento da Polícia Federal e à 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal para a continuidade das investigações.

A nota, divulgada no site da Seae/MF, ainda afirma que não cabe a ela autorizar nem fiscalizar as atividades da Telexfree em território nacional, pois as operações não configurariam captação antecipada de poupança popular.

A secretaria aponta que não se comprovou a parceria entre a empresa e “operadoras de telefonia móvel ou fixa, o que seria necessário para garantir a prestação do serviço de VoIP (voice over IP), conforme ofertado pela empresa.”

Além do Ministério da Fazenda, o da Justiça também abriu um procedimento de apuração das operações da empresa multinacional. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon/MJ), recebeu denúncias dos Procons Estaduais do Acre e de Pernambuco, e do Ministério Público Estadual do Acre e do Mato Grosso, em janeiro deste ano.

A partir delas, a Senacon informou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Comissão de Valores Mobiliário (CVM), o Banco Central (BC) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae/MF) sobre a prática da empresa e pediu a todos os Procons do país os procedimentos em curso que investigam a Telexfree.

A Telexfree publicou no fim da tarde de quinta-feira uma resposta à nota divulgada pelo Ministério da Fazenda. O comunicado foi publicado nas redes sociais e no site oficial da empresa.

Em cinco pontos, a nota, que é assinada apenas pela identificação “Telexfree/Ympactus Comercial Ltda.” destaca a informação de que a empresa não faz captação antecipada e diz que não pratica venda, mas entrega as contas VoIP aos consumidores através de uma operação nos Estados Unidos.

O comunicado, no entanto, não rebate diretamente as suspeitas de que as operações são baseadas no sistema de pirâmide financeira.

Um histórico das pirâmides
O mais famoso golpe da pirâmide do século passado foi o “esquema Ponzi”, criado pelo criminoso norte-americano Charles Ponzi. Imigrante italiano, Ponzi chegou aos Estados Unidos em 1910. Descobriu que selos de carta de outros países poderiam ser utilizados nos Estados Unidos – e eram mais baratos. Montou uma pirâmide, então, para vender selos estrangeiros nos Estados Unidos.

Em fevereiro de 1920, o esquema tinha lhe rendido US$ 5 mil; em março, US$ 30 mil; em maio US$ 420 mil; em julho US$ 1 milhão. Foi uma febre que se espalhou por todos os Estados Unidos, levando famílias a venderem suas casas para entrar no jogo.

A corrente quebrou, Ponzi foi detido, pagou fiança e fugiu para o Rio de Janeiro, onde terminou seus dias como representante de linhas aéreas. Morreu em 1949, em um hotel para indigentes no Rio.
O esquema Madoff

O esquema Bernard Madoff foi mais sofisticado, pegando apenas milionários. Sua empresa oferecia oportunidade de investimentos que rendiam 1% ao mês - alto para os padrões internacionais, mas não tão alto que pudesse despertar suspeitas de golpe. Os fundos de Madoff não pagavam rendimentos todo mês.

Os investidores acompanhavam o saldo através de extratos. Só obteriam o saldo completo se resgatassem o dinheiro e saíssem do fundo. Com os recursos que ia recebendo de novos clientes, Madoff ia pagando clientes que saíam da corrente.

Esses recursos eram administrados por um fundo não ligado diretamente ao banco de Madoff, para ficar ao largo da fiscalização das autoridades.

Estourou em 2009, levando prejuízo a muitos investidores, inclusive a brasileiros. No Brasil, seu fundo eram vendido pelo Banco Safra e pelo Santander.
O esquema Boi Gordo

O último grande golpe de pirâmide no Brasil foi o das Fazendas Reunidas Boi Gordo. Foi montada por Paulo Roberto de Andrade, de Santa Cruz do Rio Pardo, em São Paulo. Historicamente, a engorda de bois rende 10% em 18 meses. A Boi Gordo oferecia aos investidores a possibilidade de ganhos de 38% ao ano.

No caso da Boi Gordo havia alguns ativos - fazendas e rebanhos - de garantia, embora insignificantes perto do rombo que deixou no mercado. O prejuízo atingiu 30 mil clientes. Até abril de 2004, chegava a R$ 2,5 bilhões.
Fonte: Luis Nassif via Novo Jornal

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