Jorge Bastos Moreno é jornalista político há quase 40 anos. Crédito:Paula Giolito |
Entre o início dos anos 1970 até 1992,
o Brasil passou por intensas mudanças políticas, das quais Ulysses
Guimarães teve papel decisivo. O político que foi presidente da Câmara
dos Deputados e também responsável por estabelecer a nova Constituição,
em 1988, foi também um dos que mais lutou pela redemocratização do País
durante a ditadura militar. Ao lado de Tancredo Neves, Orestes Quércia e
Franco Montoro, 'doutor Ulysses', como era chamado, foi incessante na
luta pelas Diretas Já.
À época, um jovem repórter do jornal O Globo
já se destacava por sua cobertura política, sobretudo, em Brasília
(DF). Ao longo desses 22 anos, Jorge Bastos Moreno foi amigo pessoal de
Guimarães, o que lhe garantiu um rol de histórias exclusivas de
bastidores. Algumas dessas memórias foram reunidas no novo livro “A
História de Mora: a saga de Ulysses Guimarães”, lançado pela editora
Rocco.
As 50 histórias foram publicadas, inicialmente, em O Globo,
em 2012, nos 20 anos do falecimento do político, morto em um acidente
de helicóptero com a esposa Mora. Os contos são narrados em primeira
pessoa pelo jornalista, que toma emprestada a voz de dona Mora para
trazer à tona o cenário dos anos 1970 até 1992.
A escolha da personagem foi mais que
estratégica. Dona Mora teve papel determinante na candidatura simbólica à
presidência do marido em plena ditadura militar. A seguir, Moreno fala
sobre o processo de produção do livro e a cobertura de jornalismo
político fora de Brasília.
IMPRENSA
Você deve acumular diversas histórias do Dr. Ulysses. Como foi o
processo de seleção de quais relatos integrariam o livro?
Jorge Bastos Moreno
Escolhi as histórias que vinham na cabeça, não fiz um roteiro, nem
escolhas antecipadas. Toda quinta-feira eu parava, lembrava e escrevia.
Como a história de Mora tinha que estar na redação sempre às sextas de
manhã, eu fazia na quinta à noite.
A ideia de trazer à tona essas histórias foi uma iniciativa sua ou uma demanda do jornal?
Eu estava escrevendo uma peça sobre a dona Mora para a atriz Mariana Ximenez quando O Globo
me fez a proposta de publicar essas histórias no jornal. A ideia era
que no final de 2012 tudo isso fosse compilado em livro. Foi então que
acabei convertendo a peça num folhetim. No livro, mantive o projeto
original de O Globo. Não acrescentei novas histórias à publicação.
Como foi a decisão de escrever o livro todo em primeira pessoa, como se fosse Mora, a esposa de Ulysses?
Escolhi escrever em primeira pessoa
porque as histórias eram para um monólogo no teatro. A ideia inicial era
transformá-las em uma peça de teatro. Ainda mantenho essa esperança que
o livro seja convertido para o teatro. Tenho várias pessoas contactadas
que estão dispostas em adaptá-lo.
E porque a dona Mora e não outro personagem como narrador?
Porque no único momento em que ela
interferiu na vida dele, ela o fez de forma bem contundente e decisiva
para o destino do País. Os governadores do PMDB não queriam que o
Ulysses lançasse candidatura à presidência, ainda que simbólica, em meio
à ditadura, em 1973. Ela peitou todos eles com silêncio, com o olhar
apenas. Ela derrotou todos eles e Dr. Ulysses saiu candidato. Se eles
tirassem o Ulysses da candidatura, certamente, a história do País seria
diferente.
Como se preparou para incorporar o personagem? Fez alguma pesquisa prévia sobre dona Mora também? Também era amigo dela?
Quando a conheci, tive contatos
esporádicos. Vim a conviver com ela mais no período da produção da
Constituinte, em que ela ficou mais em Brasília. Aconteceu um fato
interessante quando publiquei suas histórias no jornal, porque a família
adorou o primeiro capítulo, o segundo, torceu o nariz, o terceiro,
detestou. Quando terminei a série a família ficou emocionada com tudo
que contei.
A capa do livro é de Orlando Britto e foi capa da revista Veja. Por que esta imagem foi escolhida?
Porque essa capa foi a capa que
noticiava o desaparecimento dele, em 1992. Foi a última foto feita pelo
Orlando Britto antes de sua morte. A capa foi como homenagem a ele. A Veja colocou como título “Por quem os sinos dobram”. Achei muito bonita e decidi usá-la em meu livro.
Você
comentou que tem uma memória auditiva muito boa. Também a utiliza no
seu dia a dia como jornalista de política? Ou prefere gravar suas
entrevistas?
Não recorro a gravador, sempre recorro
à memória. Ultimamente, tenho feito poucas entrevistas, mas as mais
recentes, curiosamente, as duas foram com a presidente Dilma e não usei
gravador. É uma temeridade fazer uma entrevista dessas contando só com a
memória, eu sei. Felizmente, nunca tive problemas.
Como
é fazer a cobertura de política no Rio de Janeiro? Influencia muito o
local onde trabalha para a apuração e o contato com as fontes?
Tenho praticamente 40
anos de Congresso. Minha vinda para o Rio é recente, de uns dois anos
para cá. Eu cultivo minhas fontes de Brasília ainda. Também passei a ter
contato com muitos parlamentares depois que vim para o Rio.
Em seu perfil no Twitter, você não poupa críticas nem ao jornal O Globo, e parece utilizá-lo com bastante liberdade. Como o jornal vê isso?
Tenho uma coluna no jornal, que desde o
início, há quase 20 anos, as pessoas que me conhecem dizem: “você
escreve como você fala”. Quando ouço isso, fico preocupado. Às vezes,
penso que é um elogio, mas também há uma temeridade. Fico pensando se no
texto não tem muito erro, mas na verdade, se você pegar uma matéria
minha, vai ver que este é meu padrão. Costumo escrever em primeira
pessoa até nas reportagens. Tanto minhas matérias, quanto a coluna ou o
Twitter seguem um padrão de linguagem próprio. Nunca fui censurado pelo
jornal em relação ao meu conteúdo ou forma. Às vezes, me dão um
puxãozinho de orelha, falam que roupa suja se lava em casa, mas me
mandar apagar post, essas coisas, jamais.
Fonte: Portal Imprensa
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